15/12/2010

Será que se quer uma justiça democrática e acessível?

Meu objetivo aqui é refletir sobre o artigo do professor João Baptista Herkenhoff, publicado na edição de ontem de A Gazeta. Quero tecer críticas a um de meus inspiradores, o professor Herkenhoff, ciente de que no Brasil o debate acadêmico é visto como ataque pessoal. Mas não comungo dessa idéia.
Herkenhoff aponta em seu artigo quatro condições para uma justiça democrática: 1) justiça acessível a todos, pensando o judiciário como um espaço público; 2) diminuição do formalismo exigido nos trajes dos frequentadores do judiciário, contextualizando o judiciário à nossa realidade desigual; 3) redução do hermetismo da linguagem jurídica, simplificando a linguagem do direito para uma melhor compreensão de seus enunciados; 4) decisões judiciais motivadas, o que, de certa maneira, remete ao primeiro ponto, tornando o judiciário um espaço público, controlado externamente pela sociedade a partir das decisões motivadas dos magistrados.
As condições acima apontadas poderiam ser agrupadas em duas grandes barreiras que dificultam o acesso à justiça: a cultura personalista brasileira (primeira e quarta condições) e as linguagens descontextualizadas do direito brasileiro (segunda e terceira condições) – linguagem visual (roupas dos profissionais do direito e arquitetura dos “palácios” da justiça), oral (uso do latim e de termos que assumem definições próprias para o direito) e escrita (decisões judiciais não motivadas, como se viessem de uma autoridade divina inquestionável).
Minha contribuição aqui é integrar essas duas grandes barreiras, como duas faces de uma mesma moeda. De um lado, temos um estado brasileiro (e o judiciário é um dos três poderes do estado) historicamente montado por grupos elitizados da sociedade brasileira que definem, sem participação popular, as mudanças institucionais consideradas necessárias para implementação de mudanças sociais. Isso produz um grupo dirigente que se vê apartado do restante da sociedade (povo). Esse fechamento dos grupos sociais dirigentes acontece também no judiciário, tornando-o distante da realidade social e resistente a controles externos de suas atividades.
De outro lado, temos um direito que quando produz e reproduz linguagens exóticas e esotéricas (que começam a ser aprendidas e apreendidas nas faculdades de direito), distancia-se dos cidadãos comuns, reforçando o papel prestigioso das profissões jurídicas na condução dos processos demudança social, de novo sem participação popular.
A questão é: será que se quer uma justiça democrática e acessível? Será que as profissões jurídicas não se organizam para defender, corporativamente, seus proprios interesses visando a manutenção de seu poder social? Se a resposta a essa última questão for positiva, como demonstrarei em outro artigo, temos na ética profissional do direito um espaço de reprodução de classes, tornando o acesso a justiça mais uma retórica do direito.
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O artigo do professor Herkenhoff está publicado em: http://gazetaonline.globo.com/_conteudo/2010/12/722668-justica+democratica+e+acessivel.html