26/09/2010

Reflexão crítico-poética sobre o amor

Vivemos num tempo em que parece que alguns temas de análise vão se tornando obsoletos. Parece até que construímos um conhecimento seguro e definitivo (verdadeiro) sobre eles, alimentando o ideário do senso comum. Por exemplo, religião (que em geral é vista como o aprisionamento da fé), casamento (experiência necessária, mas que transforma a relação numa rotina sem graça), fim-do-capitalismo (o fim do socialismo real indica que o capitalismo é o melhor sistema econômico e que veio pra ficar. Será?)... Hoje quero propor o enfrentamento crítico-poético de um desses temas das quais em geral não ousamos discutir mais do que já conhecemos: o amor.
Começo fazendo uma afirmação de caráter genérico: o amor é uma tentativa de acertar. Mas acertar o que? Acertar no agrado ao outro; acertar-se com o outro. O amor é uma ação comprometida de doar-se em função de alegrar o outro, o que gera imediatamente uma relação de troca (como mostrarei mais ao final). Mas esse outro não precisa ser apenas um companheiro, namorado, amante ou parceiro. Pode ser um outro indefinido (qualquer um) ou alguém conhecido pela qual não se nutra nenhuma pretensão de intimidade ou cumplicidade, por exemplo, um amigo, um filho, um familiar, um empregado etc. O que estou propondo é uma universalização do amor para além de uma relação romântico-afetiva. Quer dizer, o amor caracterizado agora como um esforço (ação) de alegrar o outro. E alegrar pode ser aliviar as cargas, apoiar. Com essa definição ampla, podemos incluir o amor em qualquer tipo de relação que se possa estabelecer, desde as relações afetivas até as relações de trabalho, passando por uma infinidade de outros modos (infinitos) de relações entre pessoas.
A segunda afirmação geral que quero fazer é a seguinte: o amor não é a finalidade a ser alcançada numa relação (qualquer que seja ela, como dissemos acima), mas o meio para se alcançar uma finalidade. Mas que finalidade? Aí vou sugerir, ainda de modo geral, que essa finalidade seja alegria. E aqui trabalho com alegria (e não felicidade) como quem reconhece que não se pode chegar a um estado final e acabado de contentamento que seja definitivo (felicidade). O ser humano é tenso, intenso e limitado, razão pela qual estamos sempre querendo mais, superando nossos limites. O que significa que não há porto final e seguro, que estamos sempre em busca de novas experiências, novos desafios, novas conquistas. E é essa tentativa de superar etapas que nos motiva a continuar vivendo. Se eu chegasse a um estágio completo de alegria (como o termo felicidade parece indicar) eu provavelmente não teria motivos para continuar vivendo, eu deitaria e morreria abraçado com a coisa ou pessoa conquistada.
Como somos seres errantes, a manifestação dessa ação de amar pode ser realizada com muita intensidade (paixão) ou com pouca intensidade. Mas ela deve sempre, necessariamente, ter o objetivo de alegrar o outro. Fujo aqui da contraposição entre paixão e razão como quem percebe que não se pode cair na armadilha de estabelecer um olhar dicotômico sobre esses dois conceitos. Quer dizer, a paixão não é inferior à razão, nem o contrário. Em alguns momentos a paixão pode ser sentida como um aprisionamento, ou irresponsabilidade, ou mesmo exagero. Mas em outro momento a paixão pode ser a força sobre-humana de construir ou reconstruir uma relação das cinzas, do improvável, do caos. Por outro lado, a razão pode produzir um avanço seguro e constante da relação ou mesmo a burocratização, a estagnação, ou esfriamento dessa relação.
E se somos seres errantes, falhos, limitados, não podemos dar ao amor uma transcedência para além do vivido por atores sociais concretos. Quer dizer, o amor não está na relação, mas no indivíduo que assume o compromisso de agir amorosamente. Esse sujeito manifesta sua ação amorosa para com o outro, que percebe essa ação na sua prática concreta, na sua existência.
Assim, enfim, chegamos a uma definição final: o amor é uma ação individual e humana que se destina a produzir alegria no outro. E pra que uma relação amorosa se mantenha, é preciso uma reciprocidade entre os amantes. Quer dizer é preciso que as pessoas envolvidas na relação se doem de forma comprometida a conhecer os desejos e necessidades do amado, a alegra-lo. Portanto, é possível amar sem ser amado. E se isso acontecer, o melhor a fazer é pular fora. Aí deveremos enfrentar criticamente um outro problema: a honra, o orgulho próprio, a vergonha na cara. Mas essa é outra história.
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Queria mesmo desmitificar o amor, torná-lo mais humano, mais real: o amor não é finalidade, é meio; o amor não é ideal, é concreto; o amor não é externo, é interno; o amor não é sentimento, é ação; o amor não é eterno; é contextual; o amor não traz felicidade, traz alegria; o amor não é para poucos, é para todos. É pra mim. E pra você. E essa desmitificação proposta não banaliza o amor, mas o aproxima de nossa realidade, de nossa própria capacidade. E elimina o medo de amar. E de dizer que se ama a quem se ama. Não tenha medo de amar! Não tenha medo do amor!