28/08/2010

Códigos e sussurros

Essa é uma história (quase) real da época da ditadura. Havia uma intensa perseguição aos intelectuais e guerrilheiros naquele contexto. Era uma guerra insana, como toda guerra. O panóptico era tão enlouquecido que olhava-se constantemente sobre os ombros e comunicava-se aos sussuros ou em códigos. Qualquer um era um inimigo em potencial. Quando precisavam se comunicar, era um problema, uma piração.
Dois revolucionários se encontraram e precisavam descobrir se estavam esperando um ao outro. Afinal, receberam ordens - por um bilhete - de ir até uma instituição de ensino tratar um ataque. Lá estavam no horário combinado. Um deveria "achar a mulher-maravilha". E a tal mulher, "procurar o professor-sonhador". Mas que procura mais difícil, já que ser professor é sempre ser sonhador e mulher maravilha, só existe no gibi. Se entre-olharam e não se encontraram. Contiuaram procurando. E não queriam acreditar no que viam: eles se encontraram, mas duvidaram. Afinal, a mulher era maravilhosa demais. E ele, sonhador demais. Impossível!
Começaram a conversar para decifrar se era quem esperavam. Descobriram suas afinidades: admiravam as artes, a literatura e o cinema. Gostavam também da crítica. Conversaram tão prolongadamente que esqueceram da missão. De repente, ela lembrou do bilhete recebido e perguntou: "Gosta de poesia?" (Porque não há sonhador que resista a uma poesia). Ele disse, "gosto mas não as leio, prefiro escrevê-las".
Ela logo percebeu que encontrara quem procurava. Olhou por cima dos ombros e afastou-se em silêncio com uma expressão séria e um ar de surpresa. Tirou um caderno da bolsa, escreveu alguma coisa e rasgou um pedaço do papel. Caminhou, ainda em silêncio, em direção ao cara (que a essa altura já havia entendido tudo) e entregou o pedaço de papel dobrado. Eles se despediram com um olhar de até logo e seguiram seus próprios caminhos. Caminhando atônito em meio à multidão ele tirou o bilhete amassado do bolso, desdobrou-o cuidadosamente e, esboçando um sorriso, leu o que estava escrito: "Me segurei para não te dar um abraço!"
Descobriram que estavam do mesmo lado. Daquele dia em diante a guerra se intensificou. O que aconteceu com eles depois não interessa mais do que o que aconteceu até ali. Mas, se quiser, você pode escolher/escrever um final.
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Como diria Nietzsche, a vida é feita de bons e maus encontros. Esse foi um bom encontro! Até o nosso próximo encontro!