09/07/2010

Coisas da vida

Subi ao alto de um prédio e vi ao longe as iluminações da cidade. E lá de cima tive uma luz, descobri a verdade sobre a indiferença e a desigualdade social. A indiferença é um modo de suportarmos as dores insuportáveis. A gente não vê (nem sente) a desigualdade social porque se acostuma a viver sobre os outros. E a gente só se acostuma a pisar sobre as cabeças alheias porque não olha pra baixo.
Repararam que quando o avião decola os comissários de bordo começam o servir o lanche (mesmo que a qualidade desse lanche venha caindo)? O lanche servido ajuda a acalmar o passageiro quanto à altura da aeronave. Já pensou se o avião fosse construído com um material transparente como o vidro? Ia ser difícil relaxar durante a viagem, o que, provavelmente, produziria mais problemas para as empresas aéreas: crises de choro, incontinência urinária, desmaio, taquicardia, vômitos, gritaria, aumento do consumo de calmantes... Seria como um terror. Mas o lanche, o confinamento e a técnica (demonstrada pelos comissários) aumentam a sensação de segurança. Mas não deixe de ler os cartões de segurança que se encontram no bolsão à frente de sua poltrona.
Olhar pra frente é mais confortável que olhar pra baixo. Experimenta chegar na sacada de um apartamento localizado num prédio bem alto, colocar a cabeça pra fora e olhar pra baixo. Alguns até se sentem misteriosamente magnetizados ao solo. Vivemos lá no alto, tranquilamente, porque só olhamos pra frente, porque vivemos dentro de casa, com as nossas coisas. Mas olhar pra baixo é uma lástima, nos dá arrepios e vertigens.
Aí está a verdade: suporto a desigualdade porque adoto um modo de vida que me torna indiferente a essa desigualdade. E isso é razoavelmente simples, é só olhar pra frente e curtir as coisas da vida. Consigo encarar a hierarquia social ao longe, mas não suporto me enxergar nela. Isso também é alienação.
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Obs: Depois que escrevi o texto, busquei uma imagem que pudesse ilustrá-lo e encontrei essa preciosa charge do Angeli.
Tudo perfeito. Tudo bem. Sem pesadelos pra ninguém.