30/03/2010

Ed não acredita mais que possa alcançar o sol

A jornada de um dia parece insuficiente para tudo que Ed precisa e pretende realizar. E ele não sabe o que fazer. Sai de casa todo dia antes do sol raiar, e ele nem chega a brilhar. Mas ele não tem casa, nem beleza, nem memória, nem história... Entra cabisbaixo na fila do coletivo, aparentemente sem motivo. Aperta-se com outros de sua raça num onibus urbano com destino à praça. Sua raça é sua classe; ele não tem classe. Cochila entre um solavanco e outro, segurando o fardo. Farto daquela rotina, cansado de sobreviver. Mas não há o que fazer! Já chega ao destino suado e cansado, parecendo atordoado. Desce apressado como se estivesse atrasado. Mas ele nem tem relógio. Ed olha para os lados, com cuidado. E só aí desce a trouxa. E a coisa corre frouxa. Abre o plástico e espalha no chão, vigiando o ladrão, que pra ele usa fardão. Passa a gritar, como se estivesse a implorar: "olhem pra mim, eu estou aqui!". Mas os passos se apressam e os olhos se afastam. E poucos param. E quase ninguém sabe que ele existe. A polícia sabe. E ordena: páre! Ed se afasta, temendo a porrada. Ele corre atrás. E a polícia também. Ele não alcança seu lugar ao sol. Os homens o alcançam e o levam para o xadrez. Mas como não é um bom jogador, não vê o sol, mais uma vez. Mas ele não está só. Há outros derrotados atrás das grades. Está tudo lotado. E isso reforça sua descrença na possibilidade de alcançar o sol. A não ser que o veja quadrado. Naquele dia Ed não se apertou no coletivo na volta pra casa. Mas não tem problema, o coletivo não sente sua falta. E ele não tem casa. Ele se apertou com outros setenta, na sua nova casa. E apertou um baseado para esquecer que não existe, que seu presente é um chiste.
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Você duvida que a vida de Ed seja real, que haja outros numa condição igual? É o mal da cegueira de enxergar o social como natural. Não seja trivial, look around!