29/06/2007

Aniversário




Aniversário é todo dia.
Mas tem dia especial.
Um dia em que todos juntos
Celebramos o que é vital:
A vida que se foi,
A vida que se vai.
Aniversário,
É momento de alegria,
De esperança
E reflexão.
Todos os dias são vivos
Na memória de quem relembra
O passado e projeta o futuro
Num dia especial:
Aniversário.

Aniversário
É tempo de compartilhhar,
De estar com,
De dividir
E celebrar.
Viva!
Vivamos!
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Mesmo que distantes, podemos curtir juntos esse momento alegre. Conto com seu carinho, sempre.
...
Um forte abraço pra você.

28/06/2007

Criança dá trabalho


Arnaldo Antunes, ex-Titãs, fez uma música, cantada pelo grupo Palavra Cantada, chamada "Criança não trabalha, criança dá trabalho". A ênfase da música é na denúnica e combate do trabalho infantil. No clipe da música as crianças que trabalham vendendo nos sinais, como engraxates e em tantos outros lugares vão abandonando suas atividades e acompanhando um grupo de crianças que caminham e cantam o refrão da música, "Criança não trabalha, criança dá trabalho". O trabalho infantil é mesmo uma coisa deprimente e vergonhosa. E a sociedade brasileira nem é uma das piores nesse quesito. Algumas sociedades asiáticas são mais problemáticas na exploração da mão-de-obra infantil. Mas não é sobre o trabalho infantil que quero falar. Quero me prender à segunda parte do refrão: "criança dá trabalho".
Recentemente foi noticiado a agressão que uma empregada doméstica sofreu de quatro jovens de classe média do Rio de Janeiro enquanto esperava um ônibus. É claro que em grupo faz-se coisas que não se faria individualmente, há uma menor inibição do indivíduo quando ele está em grupo. Mas isso tem limite. E o limite talvez não tenha sido dado no momento adequado por quem deveria (a família). E esse limite dos pais não vem porque eles se sentem culpados de não poder dar atenção aos filhos, já que trabalham cada vez mais e tem menos tempo a dedicar à criação dos filhos. Mas, como diz a música, criança dá trabalho. E dá mesmo.
Vivemos num tempo em que as crianças, que amanhã serão adolescentes e jovens, fazem o que querem e o menor sinal de repressão dos pais é visto como violência ou como geradora de traumas físicos e emocionais. O resultado é que constitue-se uma tirania da infância em casa e, como não poderia deixar de ser, nos lugares públicos. É a geração ilimitada, que faz o que quer, quando quer e como quer. O resultado está aí, na agressão sofrida pela doméstica, no massacre de Columbine, nas ameaças sofridas pelos professores por parte de seus alunos...

27/06/2007

Ralo


Pra onde vai a água suja que escoa pelo ralo? Ninguém se pergunta algo assim. Também se questionássemos até isso, provavelmente não viveríamos. É sobre algo como um ralo, que leva a água suja para não se sabe onde, que escrevi na postagem de ontem. O melhor, para continuarmos vivendo bem com nossas consciências, é não saber onde deságua a boca do ralo. Mas sempre tem um rato que desce pelo ralo e vai até o desaguadouro. E sempre tem um rato que sobe pela tampa do bueiro e nos ameaça com suas doenças infecto-contagiosas. É mais ou menos assim a fossa da desigualdade no Brasil. Quem está na superfície produz lama, mas não quer saber onde ela vai cair. Quem está dentro do esgoto quer saber de onde vem tanta podridão. "Provavelmente, o lugar de produção da sujeira deve ser mais rico (em todos os sentidos) que aqui embaixo." Mas o rato que tenta sair do esgoto para se alimentar da sujeira em sua origem, não sabe que quem produz a sujeira não a suporta, não a quer por perto. Quem produz a sujeiro lava suas mãos para tirar qualquer vestígio que teime em se prender à vida. E deseja que a sujeira retirada das mãos vá para bem longe, caia nas correntes de água que vão até o mais profundo da terra, onde não se imagina. Mas o sujeira cai ao seu lado sem ele perceber. E ele vive nojentamente, sem perceber.
A desigualdade social abre um ralo na nossa vida cotidiana por onde escoa piadas preconceituosas, brincadeiras humilhantes, abraços hipócritas, ajudas inescrupulosas, desvios de verbas públicas, tráfico de influências, clientelismos, homofobias de todo tipo, terrorismo, intolerâncias... E todo esse material nojento vai lavando a nossa alma e levando nosso orgulho de ser diferente, de ser melhor. Só não leva o medo dos ratos saírem dos esgotos e estragarem o nosso banquete. A pobreza se torna uma ameaça numa sociedade onde a riqueza é mal distribuída. A sujeira que sai das mãos dos ricos cai sobre os pobres. Parece maniqueísmo, mas não é. Não no Brasil. O crime de colarinho branco, as corrupções políticas, crimes típicos de quem tem acesso ao poder, se reproduz com alterações entre os que não tem nenhum poder. Quem não tem poder pega em armas. Sem percebe que seu crime é punido com mais rigor que o crime cometido por aqueles que têm as mãos sujas. O criminoso que está dentro do bueiro está todo sujo de lama. O criminoso que está nas assembléias políticas tem só as mãos sujas. Não tem mais, ele acabou de lavar. A sujeira de suas mãos agora limpas faz mergulhar os ratos do esgoto em merda. É o que sobra aos que estão no fundo. E esses que estão no fundo, vai continuar no fundo. Porque quando subirem à superfície e incomodarem os ratos limpos, serão rechaçados com força, serão presos ou empurrados de volta à lama.
O segredo da boa convivência até aqui tem sido fingir que os ratos de cima não existem. Eles fazem o mesmo com os ratos de baixo. Isso vai mantendo a ordem e a harmonia entre todos.
Mas essa harmonia não existe, nunca existiu. Sem dúvida, esse ralo precisa ser tapado. Sob pena de continuarmos os mesmos sempre: sociedade desigual.

26/06/2007

Matamos Felinho!!


Felinho nasceu igual a todos:
Foi bebê, criança e adolescente.
Mas nunca foi gente.
Nasceu numa família batalhadora.
Que nunca precisou de metralhadora.
Tinha muitos irmãos.
Tinha poucos recursos.
Quando menino gostava de correr
E de jogar bola.
Estava no sangue:
Seu avô foi jogador amador e
Seu irmão foi jogador profissional.
Era magrelo,
Esguio,
Veloz.
Mas não conseguiu fugir da maldade
E da falta de oportunidade.
Na infância foi abusado.
E abusaram dele.
Foram os meninos maiores de sua própria rua.
Virou piada,
Entrou na vida.
Percebeu ainda criança
Que não era igual,
Que nunca fora igual,
E, talvez, que nunca seria igual.
Seu problema é que era negro
E pobre.
Percebeu logo que sua cor
Era fator principal
De distinção social.
Tentou resistir às evidências,
E levou sua luta às últimas consequências.
Se envolveu nos espaços destinados aos negros na Esfera Social:
Foi aprendiz de pedreiro
E amou o carnaval.
Frequentou escola,
Abandonou a escola...
E começou a dar pequenos golpes.
Foi dando golpes,
Como se descontasse os golpes que levava.
Um dia fez uma tatoo.
Aí completou:
Preto, Gay e tatuado.
Tá roubado!
Foi preso a primeira vez:
E voltou a ser de todos.
Foi solto:
Não era de ninguém.
Se embrenhou no mato.
E a polícia atrás.
Passaram-se dois dias
E a polícia atrás.
E lá, longe da família,
E do olhar social,
No meio do matagal,
Encontrara o desfecho de sua vida
Nada triunfal:
Onze tiros.
Seis nas costas,
Três na cabeça,
Dois no braço
E seis no mato.
Viveu pouco,
Talvez até a primeira infância.
E começou a morrer quando começou a percorrer
O destino que já lhe estava traçado.
........................................
Matamos Felinho, Charutinho e tantos outros. Matamos e não percebemos como. Não entendemos como reproduzimos desigualdades sociais e raciais. E que peso essa desigualdade reproduzida por nós tem na vida de suas maiores vítimas. E não é pra entender mesmo. O não-entendimento desse mecanismo perverso que nos faz excluir o outro, por qualquer motivo que seja, é parte de uma ideologia que nos faz acreditar que as coisas são assim mesmo, que é natural. Que o excluído é derrotado, perdedor. Entender esse mecanismo poderia nos fazer romper com essa lógica de reprodução de desigualdades. Mas quem disse que queremos diminuir as desigualdades sociais? Por isso, é melhor que continue assim, sem sabermos como matamos, como excluímos, como reforçamos desigualdades... Triste fim de Felinho. Triste fim nosso. Triste fim.
Até!

25/06/2007

Livros e leitores




Livro novo
É morto.
Livro lido
É vivo.


Livro que já foi lido tem alma,
Tem marcas,
Manchas,
Traças,
Traços
Dobras,
Sombras.
Sombras de um tempo que não volta mais.
De alguém que já se foi.
De emoções sentidas diante do papel.


Livros usados são:
Lidos,
Não-lidos,
Rabiscados,
Carregados,
Molhados,
Jogados,
Empilhados...
E todas as ações marcam o livro.
E todas as ações marcam a pessoa.
E as marcas do livro podem marcar outras pessoas.
E as marcas da pessoa podem marcar outros livros
E outras pessoas.
Livros usados trazem marcas profundas
E produzem marcas profundas.


O leitor usa o livro.
Ele dá sentido aos usos do livro.
Pode ser para enfeitar,
Pode ser para carregar,
Para deitar a cabeça,
Para apoiar a porta,
Para bater,
Para sentar...
Ou para ler.


Livro lido,
Eu digo,
É vivo.
...................................................................................................
Proponho uma campanha pelo aumento do consumo de livros usados. Há basicamente duas vantagens nisso: o cuidado com a natureza (lembrem-se que o papel vem das árvores!) e o aproveitamento da "alma" do livro usado por outrem.

20/06/2007

Desigualdade e cotidiano


Nossa desigualdade social parece não ter solução. Isso porque não é só uma desigualdade econômica, mas uma desigualdade que tomou as vias culturais e se estabelece e se reforça cultural e cotidianamente. Reafirmamos a desigualdade cotidianamente na igreja, na escola, no trânsito, no trabalho, nas relações de vizinhança... A base da manutenção cotidiana dessa nossa desigualdade social é a crença numa desigualdade ontológica entre "nós" (melhores do que eles) e "eles" (piores do que nós). Piores do que nós porque não são da mesma classe social, porque não moram no mesmo bairro, porque não vestem as mesmas roupas, porque não tem a mesma cor de pele, porque não frequentam os mesmos lugares... Motivos não faltam para justificar a desigualdade. Essa desigualdade ontológica que acreditamos existir entre "nós" e "eles" cria fossos intransponíveis. Assim, não basta que eles morem no mesmo bairro que nós, precisam consumir; não basta que consumam, tem de saber onde consumir; não basta saber onde consumir, é preciso ter bom gosto para consumir ou para combinar as peças, e por aí vai.
A busca por diferenciação, que é comum a qualquer sociedade, no nosso caso acirra ainda mais a desigualdade social. Como nós ainda não resolvemos o problema da igualdade formal, porque de fato nem todos são iguais perante a lei, a luta por diferenciação reproduz e amplia a desigualdade. Resolver este tipo de desigualdade é mais difícil que resolver a desigualdade econômica. A desigualdade econômica se resolve com crescimento econômico e redistribuição de renda (dar mais a quem tem menos). Mas a desigualdade que se instaura culturalmente nas nossas práticas sociais cotidianas precisa de uma mudança de mentalidade para ser solucionada. Quem não assistiu o filme "Quanto vale ou é por quilo?", com Lázaro Ramos, precisa assistir e se chocar com a constatação de que somos o país com a maior quantidade de Ongs empenhadas na solução de problemas sociais, que movimentam milhões de dólares ao ano, e não conseguimos resolver nossas mazelas sociais. E estamos longe de resolver porque essa desigualdade gera recursos, para alguns. A exploração da miséria alheia e a reprodução inconsciente, nas práticas sociais cotidianas, das estruturas de desigualdade, movimentam e reforçam o lugar social de cada um. Nós aqui e eles, lá. E quando essa distância é quebrada... Essa é outra história.